domingo, 28 de março de 2010

( XVI ) TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

O texano Kenneth Hagin, nascido em 1917, era uma criança doente. Desde os nove anos ficou confinado na casa do avô. Aos 16, desenganado pelos médicos, infeliz e preso a uma cama, tinha poucas esperanças de ver sua vida melhorar. Um ano depois, em agosto de 1934, Hagin teve uma revelação. Ele de repente compreendeu o significado de um versículo do Evangelho de São Marcos. A passagem do Novo Testamento dizia: “Tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebeste, e assim será convosco”. Hagin então ergueu as mãos para o céu e agradeceu a Deus pela cura, mesmo sem ver sinal de melhora. Então se levantou da cama. Estava curado.
A mensagem que Hagin popularizou por meio de mais de 100 livros é clara: Deus é capaz de dar o que o fiel deseja. Basta ter fé e acreditar que as próprias palavras têm poder. Desse modo, para os verdadeiros devotos nunca faltará dinheiro ou saúde.
Essa doutrina ficou conhecida como a “Teologia da Prosperidade” e anos depois foi incorporada por varias igrejas. Ela é central no mais impressionante fenômeno religioso do Brasil contemporâneo - e no mundo: a explosão evangélica.
No começo, essa explosão se deu em silencio, praticamente ignorada pelas classes medias. Os templos evangélicos surgiram nas cidadezinhas perdidas e nas periferias miseráveis das metrópoles. Já não é mais assim.
No primeiro dia de 2004 a igreja Pentecostal Deus é Amor inaugurou no coração de São Paulo o seu novo templo. A obra tem tamanho de shopping center, arquitetura de gosto duvidoso e comporta 22 mil pessoas sentadas. É cinco vezes maior que a católica Catedral de Sé, lá perto.
Há meio século os evangélicos são a religião que mais cresce no país. Nos últimos 20 anos mais que triplicou o numero de fieis: de 7.8 milhões de pessoas em 1980 para 26.4 milhões em 2001, um pulo de 6.6% para 15.6% da população brasileira. Em algumas cidades foram criados vagões de trem exclusivos para crentes. Nesses as pessoas podem viajar ouvindo pregações bíblicas. Em outras, não parece longe o dia em que eles representarão mais de 50% dos habitantes. Com mais de 400 anos de atraso, finalmente estamos sentindo os efeitos da Reforma protestante que varreu a Europa no século 16.
Evangélicos, é importante esclarecer, é a mesma coisa que protestantes. As duas palavras são sinônimas. Ou seja, evangélicas são praticamente todas as correntes nascidas do racha entre o teólogo alemão Martinho Lutero e a igreja católica em 1517.


Lutero abriu a primeira fenda no até então indevassável poder papal sobre as almas do ocidente. A ele seguiram outros. Na Inglaterra, o rei Henrique VIII, criou sua própria dissidência do catolicismo – depois batizada de anglicanismo – só porque o papa não queria que ele se divorciasse e casasse de novo. Na Suíça, Ulrico Zwinglio e João Calvino aprofundaram as reformas de Lutero. Zwinglio pregava o principio que fundamentaria todo o movimento: o cristão deve seguir apenas a Bíblia - os católicos aceitam influencias de teólogos como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Já Calvino foi o responsável pela introdução do puritanismo, que combinava regras rígidas de conduta com uma fervorosa dedicação ao trabalho. No começo do século XX o sociólogo alemão Max Weber publicou o texto clássico “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, no qual atribuiu a essa invenção de Calvino o sucesso do capitalismo nos países evangélicos.
Todos estes movimentos estimulavam o fim do monopólio da igreja sobre a interpretação da Bíblia. Cabia a todo e qualquer cristão ler as Escrituras e tirar delas o que quisesse. Os protestantes recusavam a idéia de que um único líder – o papa – deveria guiar os rumos da religião. Foi isso que começou a fragmentação do movimento em diversas correntes, com pequenas diferenças doutrinarias. Surgiram os batistas, os metodistas, os presbiterianos, etc.
Mas o Brasil colonial passou quase imune a avalanche protestante. Houve apenas algumas exceções, como os calvinistas franceses e holandeses que invadiram o país – o primeiro culto evangélico por estas terras foi celebrado por franceses no Rio de Janeiro em 1557 - só 57 anos depois da missa católica inaugural. Era proibido realizar cultos de qualquer religião que não os católicos no território português.
A liberdade religiosa no Brasil só veio com a independência, na Constituição de 1824, ainda que impondo restrições de que as reuniões acontecessem em locais que não tivessem “aparência exterior de templo”. No mesmo ano, alemães fundaram a primeira comunidade luterana do Brasil. Logo depois chegaram as correntes missionárias - como os metodistas - dispostas a pregar nas ruas para salvar almas. Eles caíram nas graças da elite intelectual republicana que, impressionada com a “ética protestante”, defendia a presença de evangélicos como condição para a modernização do País.
Mas os protestantes que prosperavam no Brasil pouco tinham a ver com a tal ética protestante de Weber. No inicio do século XX a fundação de duas igrejas seria decisiva para definir o perfil evangélico nacional: a Congregação Cristã no Brasil - inaugurada em São Paulo pelo italiano Luigi Francescon em 1910, e a Assembléia de Deus - aberta um ano depois em Belém pelo sueco Gunnar Vingren e Daniel Berg. Apesar da origem européia eles chegaram ao país via Estados Unidos onde haviam se envolvido com uma nova corrente protestante, o pentecostalismo, um grupo que crescia em popularidade por lá desde a virada do século.
Começou ai o que o sociólogo Paul Freston chama de “a primeira onda do pentecostalismo brasileiro”. O movimento era desaprovado tanto por católicos quanto pelos protestantes “históricos” como são conhecidas as correntes diretamente ligadas a Lutero e Calvino. Nem uns nem outros gostavam da principal característica da doutrina pentecostal: a exacerbação dos poderes sobrenaturais do Espírito Santo.
A palavra “pentecostalismo” vem de uma passagem da Bíblia que diz que, num dia de Pentecoste - a páscoa judia - o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos e começou a operar milagres. O mais notável desses poderes é a capacidade que Deus tem de curar imediatamente qualquer problema de saúde – daí as cenas de aleijados abandonando muletas e míopes pisando nos óculos.
O pentecostalismo cresceu na classe baixa, promovendo cultos de adoração fervorosa e improvisada, bem dissonante dos protestantes tradicionais, tão formais quanto contidos.
Para participar das novas congregações os fieis eram obrigados a se submeter a rígidas normas comportamentais. Os pentecostais eram os “crentes” estereotípicos: mulheres de cabelos compridos e saia e homens de terno e Bíblia na mão. As palavras essenciais para entender suas rotinas de vida são o asceticismo, ou a recusa de usufruir os prazeres da carne, e sectarismo, o isolamento do restante da sociedade. Por trás delas está a idéia de que o cristão deve se manter concentrado em Deus. Só assim ele pode evitar que o diabo ganhe espaço na sua vida. Para os pentecostais o mundo é simples: o que não é de Deus é do Diabo.
A Deus é Amor, aquela que inaugurou um megatemplo no centro de São Paulo, é uma das mais rigorosas entre as pentecostais. Ela proíbe freqüentar praias, praticar esportes ou participar de festas. As mulheres é vetado cortar o cabelo e depilar. Crianças com mais de sete anos não podem jogar bola graças a um versículo bíblico que diz: “desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança”. Tantas regras tem compensação: para os pentecostais o melhor da vida está reservado aos fieis depois da morte.
Até a década de 50 esse modelo reinou sozinho no pentecostalismo nacional. Fez sucesso, mas ficou restrito a grupos relativamente pequenos.
A chegada da “segunda onda”, no entanto, traria uma novidade. É o que se convencionou chamar de “neo-pentecostalismo”.
Em 1951 desembarcou aqui a igreja do Evangelho Quadrangular, inaugurando no país o pentecostalismo de costumes liberais. “Todas essas igrejas que fazem sucesso hoje são nossas filhas, netas ou bisnetas”, diz o pastor Nelson Agnoletto do conselho nacional da Quadrangular. De fato, inovações como os hinos com ritmos populares, a forte utilização do radio e regras de comportamento menos duras - todos ingredientes indispensáveis do “evangelismo de massas” - foram praticamente importados pela quadrangular uma vez que essa fora fundada nos Estados Unidos em 1923.
Monique Evans, Gretchen e Marcelino Carioca resumem bem o neo-pentecostalismo, porque agora podem se considerar “crentes”. Para isso algumas adaptações aconteceram: saíram os homens de terno e as mulheres de pelos nas pernas e entram pessoas que se vestem com roupas comuns e não se animam a seguir normas rígidas de conduta
A primeira inovação foi riscar do mapa o asceticismo, o sectarismo e a crença de que a melhor parte da vida está reservada para o paraíso. “A preocupação dos neopentecostais é com esta vida. O que interessa é o aqui e o agora”, afirma o sociólogo Ricardo Mariano, autor de “Neopentecostais – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil”
Para os neopentecostais, os homens não são responsáveis pelos atos de maldade que cometem: é o Diabo que os leva a pecar. Numa seção de descarrego da igreja Universal o pastor explicou que se o fiel enfrenta um problema há mais de tres meses é provável que esteja carregando um encosto. “Se a dificuldade completar um ano, daí não há mais duvidas: a culpa é do Demonio”, disse para a congregação. Ele não se referia só a entraves financeiros ou comportamentais. A receita vale para tudo, inclusive para doenças incuráveis. Assim, expulsar o Demonio do corpo é a receita única para todos os males, de casamento infeliz até câncer no pulmão. O ritual é feito aos gritos de “sai capeta”, às vezes com lacrimas escorrendo pelo rosto e transes que terminam no exorcismo. Os cultos tornaram-se mais ativos, incluindo aplausos para Jesus e musica Gospel.
Mas a inovação mais profunda do neo-pentecostalismo foi a aplicação da teologia da prosperidade. Graças a ela o neo-pentecostalismo ganhou o apelido de “fé de resultados”.
“A teologia da prosperidade faz o fiel encarar Deus como um Office-boy”, diz o cientista da religião e pastor Paulo Romeiro, autor de “Supercrentes – O Evangelho Segundo os Profetas da Prosperidade”. “O crente dá ordens e determina o que pretende. Não há qualquer reconhecimento das fragilidades humanas e de suas necessidades em relação a um Deus superior”, afirma Romeiro.
Os pregadores desses templos gritam alto e bom tom que os fieis que separam - logo após receber - 10% de sus ganhos e os doam a Deus, podem exigir Dele o que querem porque ele vê que estes fazem a sua parte, mas aqueles que mesmo pagando o dizimo não o fazem de imediato, já não tem o mesmo direito.
No Brasil, alem da Universal, a Renascer em Cristo, a Sara Nossa Terra e a Internacional da Graça de Deus adotaram a teologia da prosperidade.
A força da enxurrada com que o neo-pentecostalismo cresceu desorganizou todo o protestantismo. “Há uma verdadeira perda de identidade no movimento evangélico mundial. O pentecostalismo flexibilizou suas exigências comportamentais e até os protestantes históricos passaram a aceitar a participação mais ativa do fiel no culto e algumas manifestações sobrenaturais”, afirma o pastor batista Joaquim de Andrade, pesquisador da

Agencia de Informações da Religião. Mais e mais, boa parte do mundo protestante aceita a teologia da prosperidade.
A onda de mudanças foi bater até onde a Reforma de Lutero não tinha chegado: nas praias do catolicismo. A influencia neopentecostal sobre a renovação carismática católica é tão grande que seu maior expoente no Brasil, padre Marcelo Rossi, é acusado de ter gravado hinos religiosos tirados de templos evangélicos.
Mas por que cada vez mais pessoas abandonam suas religiões para tornarem-se evangélicas? Nos anos 60 a nova religião era vista como uma forma de migrantes de zonas rurais enfrentarem a falta de valores e regras da sociedade moderna e estabelecerem relações de solidariedade na metrópole. Demorou dez anos para essa hipótese ser desacreditada por estudos que mostraram que as igrejas eram compostas igualmente pelos pobres nascidos e viventes na cidade e no campo.
Houve espaço para teorias conspiratórias: o avanço evangélico seria um plano dos Estados Unidos - ou do Diabo - para dominar a América Latina. A hipótese foi defendida a serio pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, que na década de 80 enviou memorando ao Vaticano, citado no livro de Mariano, afirmando que a CIA, aliada à direita brasileira, acelerava a “expansão dessa religião alienante no continente para frear a proliferação da igreja católica progressista”. Mas esta explicação não convenceu ninguém e o avanço neopentecostal exigiu um novo foco nos estudos.
Em seu mais recente trabalho, o ainda não publicado “Analise Sociológica do Crescimento Pentecostal no Brasil”, Mariano afirma que as motivações para a conversão estariam nas soluções mágicas oferecidas. “Uma grande parcela da população não tem acesso ao serviço de saúde – e, quando tem, recebe atendimento precário e mal entende os médicos. É muito mais fácil, e faz mais sentido, acreditar que os problemas são causados pelo demonio e se tratar na igreja”, afirma o sociólogo.
Não é apenas a questão medica que está em jogo. A dualidade entre Deus e o diabo é uma das mais eficientes respostas para a eterna pergunta sobre como é possível existirem tantas coisas ruins. Um presidiário pode culpar a influencia do Demonio pelo passado violento – uma explicação para o sucesso da religião nas prisões. Essa dualidade também pode estar na raiz da população evangélica entre os ex-viciados em drogas – e de sua comprovada eficiência na luta contra o vicio. O apelo pode efetivamente ajudar ex-criminosos e ex-viciados a deixarem seus “maus hábitos” para trás. Com isso, os neopentecostais respondem satisfatoriamente às questões dos nossos tempos – coisa que outras religiões nem sempre conseguem fazer.
Juntando tudo, o que se tem é uma religião que escancara uma ambição materialista e imediata na relação com Deus. Um apelo e tanto, que parece ter especial atração para os mais pobres. Estaríamos, portanto, diante de uma mudança naquilo que as pessoas esperam da experiência religiosa? “Não”, responde o estudioso de religião Antonio Flávio Pierucci da Universidade de São Paulo. “A maior parte das religiões tem este viés materialista. As pessoas sempre rezaram com o objetivo de pedir e receber algo. A diferença é que os evangélicos assumem essa faceta sem se envergonhar”.
Seria injusto, no entanto, listar apenas explicações sociológicas para justificar a onda de conversões. Poucas religiões têm tanta disposição para atrair fieis como os evangélicos. Templos são abertos nos mais distantes rincões e pastores dedicam-se com fervor. As igrejas estão à frente das demais no entendimento de que evangelizar é como convencer um consumidor a comprar. “Os depoimentos de fieis na TV e no radio são o apelo de marketing para demonstrar a eficiência dos serviços” , diz Ari Pedro Oro, antropólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e organizador do livro “igreja Universal do Reino de Deus”. As igreja seduzem com um produto atraente e oferecem um bom serviço. São religiosamente adeptas da mais pura e simples mentalidade empresarial.
Em novembro de 2003, um evangélico foi ao programa do Ratinho pedir a devolução dos dízimos que havia dado à igreja. Argumentava que o pastor lhe prometera prosperidade em troca de dinheiro. Sem melhorar de vida, o fiel, como se fosse um consumidor lesado, foi ao Ratinho pedir o dinheiro de volta.

Essa historia ilustra de modo brilhante a relação que as neopentecostais criaram com seus fieis-clientes. Elas prestam um serviço e eles pagam. É bom lembrar que dar dinheiro a Deus, seja através da caridade ou de doações, é parte da doutrina de diversas religiões, incluindo todas do braço judaico-cristão. Com a teoria da prosperidade, no entanto, o dinheiro ganhou nova função. Agora é preciso dar para receber. Num de seus livros, Edir Macedo, o líder da Universal, explica que devemos formar uma “sociedade com Deus”. “O que nos pertence - nossa vida, nossa força, nosso dinheiro - passa a pertencer a Deus; e o que é d´ Ele - as benças, a paz, a felicidade, a alegria, tudo de bom - passa a nos pertencer afirma o bispo”.
É uma leitura polemica do Evangelho. A idéia de que dar dinheiro é parte de uma relação de troca com Deus desperta calafrio em muitos religiosos. É uma contradição. A reforma protestante começou justamente porque Lutero se levantou contra a venda das indulgências”, diz o pastor Paulo Cezar Brito, líder da igreja Evangélica Maratana, uma pentecostal que rejeita a teologia da prosperidade.
“Templo é dinheiro”, diz a maldosa adaptação do ditado popular. “Deus é o caminho e Edir Macedo é o pedágio”, diz outra. Na cabeça de muita gente as igrejas evangélicas são ótimas opções de carreira para quem pretende enriquecer facilmente. Não dá para negar que muitos realmente ganharam dinheiro com a fé alheia – em especial os lideres das grandes igrejas. Como em qualquer empresa moderna, pastores hábeis que trazem muito dinheiro para a igreja ganham bem – ninguém confirma a informação, mas comenta-se que alguns salários se parecem com os de astros de futebol, na casa das varias dezenas de milhares de reais. Mas estas afirmações escondem também um preconceito. Em termos legais, não há diferença entre um templo evangélico e qualquer outro local de culto religioso. A constituição garante a todos – evangélicos, católicos ou budistas – a mesma isenção de vários tributos, entre eles o IPTU e o Imposto de Renda.
Alem disso, o crescimento da concorrência faz ser cada vez mais difícil sobreviver entre tantas denominações evangélicas. Calcula-se que uma congregação precise ter no mínimo 50 integrantes para recolher dízimos e doações suficientes para cobrir as despesas mínimas, como aluguel e contas da luz e água. Nessas horas, ser a religião dos pobres não é vantagem. Por isso, cada denominação procura seu nicho de atuação.
A Assembléia de Deus prefere abrir templos dentro de bairros isolados, enquanto a Universal opta pelas grandes vias de acesso – uma decisão que pouco tem a ver com a fé, segue mais a lógica da competição de qualquer mercado capitalista.
O maior país católico do mundo pode estar se tornando uma nação de maioria evangélica? Dificilmente, concorda a maioria dos especialistas. Mas eles discordam na hora de prever o ritmo do crescimento. De um lado, estão os que acham que o Boom já passou e que a igreja católica, com a renovação carismática, equilibrou o jogo. Do outro, pesquisadores que vêem no frágil compromisso dos brasileiros com a religião um prato cheio para os neopentecostais. Cerca de 80% dos nossos católicos se dizem não-praticantes. É um enorme mercado para os evangélicos.
Não é a toa que a maioria dos convertidos vem do catolicismo. Mas, na hora de afirmar a identidade e escolher um adversário, o pentecostalismo ataca o candomblé e a umbanda. E vai na jugular, às vezes escorregando para a intolerância religiosa.
Em quase todos os templos é possível ouvir que essas religiões cultuam o diabo. Também há casos de ataques a terreiros estimulados por pastores. Pode-se dizer que a briga contra as religiões Afro-brasileiras, e não contra o catolicismo, o verdadeiro rival, seja uma estratégia de marketing. Quando enfrentaram os católicos, os evangélicos levaram um contra-ataque duro, que envolveu denuncias de charlatanismo e estelionato e ameaçou a sobrevivência das igrejas, alem de provavelmente afastar fieis. A popularidade dos evangélicos chegou ao fundo do poço quando um pastor da Universal chutou na TV uma estatua de Nossa Senhora Aparecida - os evangélicos não cultuam imagens.
Mas, embora esses episódios possam das a impressão de que o fanatismo religioso esteja em alta no Brasil, muitos especialistas defendem a tese de que o crescimento evangélico seja um indicio do contrario: de que cada vez mais gente rejeita a religião. É o que sugerem pesquisas mostrando concentrações de evangélicos nas mesmas regiões onde há altos índices de pessoas “sem religião” – caso do estado do Rio e da zona leste paulistana. As pessoas estão experimentando uma nova crença. “Se perceberem que não está dando certo, que Deus não é tão fiel, podem desistir da busca”, diz o sociólogo Pierucci. “Abandonar a religião oficial é o primeiro passo de saída do mundo religioso”, afirma.
Um indicio de que a conversão ao mundo evangélico significa um arrefecimento do fervor religioso é o fato de que as neopentecostais exigem poucas mudanças nos fieis. O resultado é que, quanto mais crescem, menos os evangélicos mudam a cara do país – bem ao contrario da revolução que ocorreu na Europa com as idéias de Lutero e Calvino. Prova disso é a programação da Rede Record, comprada pela igreja Universal com o dinheiro do dizimo, que pouco defere das concorrentes.
Talvez o trunfo evangélico para conquistar almas seja sua capacidade de adaptação. Com a rejeição à centralização da interpretação bíblica herdada da Reforma protestante, qualquer um pode abrir um templo e pregar como quiser. Assim, enquanto seus “irmãos” se expandiam em áreas pobres, à igreja Bola de Neve cresceu 1100% em tres anos orando para os ricos. Seus dez templos, cuja marca registrada são as pranchas de surfe como púlpito e os hinos religiosos em ritmo de reggae, funcionam em áreas de classe médio-alta de São Paulo e cidades de praia como Florianópolis, Itararé e Guarujá. O publico são jovens da classe A e B, com curso superior. Para quem está acostumado a fieis pobres e pouco instruídos, a bola de neve é uma surpresa desconcertante. Para os evangélicos, somente mais uma prova de que a obra de Deus chegará a todos os corações.

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